Tuesday, May 13, 2008
RUMO À MEDIAÇÃO 3.0
Bruce Sterling lançou há algum tempo na Web o Dead Media Project: um arquivo sobre alguns media nados-mortos (undead), degenerados (deceased) e mortos-vivos (never-lived), que somos chamados a procurar reanimar ou levados a, caridosamente, por fim ao suplicio.
A morte de um medium pressupõe a falência de uma determinada forma de mediação e o, consequente, desaparecimento do saber por ele mediado. É, precisamente, a partir do momento em que o saber, resultante de um certo agenciamento mediúnico, já não pode ser resgatado, i. e., quando o medium se revela inconsequente por se ter perdido o dispositivo que o fundamentava, que um medium tomba no seu envelhecimento e, definitivamente, falha.
Que a falha na mediação é mortal, eis o que nos ensina Bruce Sterling, mas que essa falha não resulta tanto da fragilidade do medium mas de condições de possibilidade do agenciamento mediúnico (chamemos-lhe dispositivo ou máquina semiótica) isso devemos recorda-lo por nós. O defeito do medium tem aqui a ver com a incapacidade desse medium gerar o efeito que no interior de um determinado dispositivo se espera e se é capaz de reconhecer. O defeito coincide com a incapacidade de reconhecimento do efeito mediunicamente possibilitado, consequência, quase sempre resultante de uma alteração do próprio dispositivo de mediação. Geoffrey Pingree e Lisa Gitelman, fazem notar, a propósito, “Yet because their deaths, like those of all “dead” media, occurred in relation to those that “lived”, even the most bizarre and the most short lived are profoundly intertextual, tangling during their existence with the dominant, discursive practices of representation that characterized the total cultural economy of their day”.(1)
A morte, convém enfatizar, é matéria dos vivos.
Na sua análise dos processos de mediação tecnológicos, Paul Duguid propõe que pensemos os media modernos a partir de duas categorias fundamentais. A primeira remete-nos para o conceito de “supressão” identificando a ideia de que cada novo medium “vanquishes or subsumes its predecessors”; a segunda remete-nos para o conceito de “transparência”, para a “assumption that each new medium actually mediates less, that its successfully “frees” information from the constraints of previously inadequate or “unnatural” media forms that represented reality less perfectly”.(2)
O arquivo ilustrado do Dead Media Project contém, no seu sarcófago virtual, alguns media que estiveram na origem da profunda transformação da cultura visual moderna, também analisados por Carolyn Marvin no seu When Old Technologies Were New, dispositivos anamórficos, Bancos ópticos, Câmaras Obscuras e Câmaras Lúcidas, Sacarímetros, Panoramas e inúmeros outros. Chamemos-lhe Media 1.0, considerando uma arqueologia da mediação que começaria na modernidade. Os Media 1.0 são media de representação diferenciando-se do que designamos por Media 2.0, pensados como media de conexão, e dos Media 3.0, fundamentalmente media de hiperrepresentação.
Neste artigo, consideraremos, em maior detalhe, os processos de Mediação 1.0, dando indicações da evolução rumo à Mediação 3.0.
As tecnologias do visível, que a Modernidade largamente desenvolve, são meios colocados ao serviço de um processo de racionalização do olhar, que remonta à revolução anatómica do Séc. XIV, ou seja, ao desenvolvimento do projecto taxinómico moderno. De facto, a história do alargamento do campo do visível, rasgado em direcção ao infinitamente pequeno e ao infinitamente distante, coincide com o fazer de uma história da verdade do visível, a construção de processos capazes de garantir a sua veredicção.
A leitura foucaltiana de Jonathan Crary (3) parece-nos, a este título imprecisa, na medida em que faz coincidir a Modernidade mais como uma nova modalidade do ver, mediada pelos dispositivos estereoscópicos, e menos como uma semioticização do ver, i. e., a construção de novos modelos de interpretação e veredicção da verdade do visível.
Em todo o caso, dir-se-ia, como Crary também o mostra, que a Mediação 1.0 se caracteriza por uma progressiva protecização do olho – crescentemente aparelhado, não se valendo a si próprio – funcionando o medium como um intensificador da visão, sempre confinando a uma lógica dispositiva capaz de o submeter a uma determinada ordem, injuntiva e prescritiva, ao serviço de uma visão correcta e exaustiva; gera-se assim uma pulsão escópica que corresponde, em termos históricos, à materialização maquínica de um nó tecno-epistemológico no interior do qual o poder analítico da visão – prolongado pelas lunetas, microscópios, telescópios e toda uma panóplia de próteses do olho – se pode gradualmente assumir como virtualmente infinito.
Torna-se claro, que o desenvolvimento da ciência instrumental moderna modifica, radicalmente, a organização epistemológica da cultura medieval. Os novos instrumentos permitem a verificação de certas hipóteses científicas; na medida em que fixam, na sua estrutura e na sua função, uma “verdade teórica” concretizada, eles tornam-se modelos de investigação científica fornecendo perspectivas conceptuais e metodológicas. Assim, por exemplo, as questões da “divisão ao infinito” do cálculo infinitesimal, não são pensáveis sem o microscópio que as concretiza; instrumentalizam a linguagem tradicional modificando-a, os instrumentos científicos são, então, agentes activos de modificação da linguagem; instrumentalizam e funcionalizam os comportamentos quotidianos, funcionando como instrumentos mediadores e fornecendo linguagem mediadora da nossa relação com a realidade.
Progressivamente a partir do século XVI, saber e poder passam a estar associados a partir de um operador comum: o olhar. As diferentes modalizações do olhar determinam diferentes graus de saber e diferentes ordens de poder. O controlo dos media e dos instrumentos significa, também, a possibilidade de ver, de ver mais longe, de ver melhor, de ver o “invisível”, de ver sem ser visto, de ver repetidas vezes. O telescópio e o microscópio o demonstram, mas dentro desta lógica podemos incluir também, e entre tantos outros exemplos possíveis, a arquitectura panóptica ou, posteriormente, a invenção da fotografia. Agora é claro, o olhar é o primeiro instrumento e, por isso, também ele deverá ser “afinado”, também ele deverá ser semioticizado, ganhando um sentido determinado dentro do sistema de saber-fazer no qual se integra. E nesta constatação vamo-nos apercebendo como aqueles mesmos que inventam e utilizam os novos instrumentos vão sendo instrumentalizados, como aqueles mesmos que dissecam os corpos vão sendo dissecados, como aqueles mesmos que desenvolvem taxinomias vão sendo ordenados.
Com o desenvolvimento dos instrumentos observacionais, a modernidade vai-se dando conta de que existem formas de vida, desconhecidas do mundo antigo e medieval, acima de nós (reveladas pelo telescópio), à nossa volta, mas, também, dentro de nós, vida infinita pequena revelada pelo microscópio. À nova ciência instrumental cabe, assim, ordenar o saber visível e invisível a olho nu, ordenar o que está infinitamente distante e infinitamente pequeno, ordenar a vida biológica e o mundo inanimado das máquinas, ordenar o cadáver e o corpo vivo, ordenando, ainda, as formas de viver.
Em meados do século XVII, Francisco Stelluti relatava com entusiasmo as suas investigações em microscopia e como elas lhe permitiam distanciar-se das autoridades antigas: «Utilizei o microscópio para examinar as abelhas e todas as suas partes. Também identifiquei separadamente todos os membros que assim descobri, para minha grande satisfação e maior admiração, dado serem desconhecidos de Aristóteles e de todos os outros naturalistas.»
O grande crescimento do conhecimento físico, associado ao, ainda maior, crescimento do conhecimento biológico, provocou uma reorganização do mundo medieval. A nova geografia física e humana às quais se poderia acrescentar uma nova geografia epistemológica, produz toda uma nova geo-estratégia que reinterpreta saberes, fazeres e poderes agora integrados num esquema de maior complexidade que aquele do mundo medievo. O biopoder moderno que, detalhadamente, Michel Foucault trabalha insere-se, precisamente, nesta nova ordem geo-estratégia que deve ser capaz de construir uma semiótica, uma axiologia e uma epistemologia que estabilize o novo, que imponha processos normativos, que estabeleça classificações, que possua uma lógica arquivística que seja capaz de integrar e dominar o novo e, ao mesmo tempo, requalificar o antigo.
Assim, novos instrumentos, novos lugares, novos corpos, novos saberes, novas práticas e novos poderes são integrados numa ordem sistemática que parece capaz de impor a sua ordenação, a sua classificação, a sua legenda, a sua arquivística a uma nova natureza da vida.
Como bem afirma José Gil, “o olhar não se limita a ver, interroga e espera respostas, escruta, penetra e despoja as coisas e os seus movimentos.”(4) Não surpreende, pois, que o olhar que domina o projecto taxinómico dos compiladores do século XVI e XVII não seja um olhar estritamente científico. Assim, por exemplo Conrad Gesner na sua enorme Historiae Animalium além de designar e descrever o animal, discute as suas funções naturais, a qualidade da sua alma, a sua utilidade para o homem em geral e como alimento ou medicamento em particular. Aldrovani aprofunda ainda mais este tipo de informação, por exemplo ao escrever sobre o leão anota, pormenorizadamente, o seu significado nos sonhos e na mitologia e a sua utilização na caça e nas torturas.
A organização social moderna, no sentido de construção de uma série de práticas de comportamento e de formas de pensamento, faz-se a partir de uma ampla construção visual. A ciência da visão, que se desenvolve após a revolução industrial, integra e relaciona a dimensão anatómica (o estudo da dimensão fisiológica do acto de ver); filosófica (a diferença entre fenómeno e coisa em si); Óptica (o exame dos mecanismos da luz e da transmissão óptica); antropológica (as correspondências entre organização sensorial e organização étnica e social); socio-médica (relação entre doença e comportamento), mas, também, psicológica, legal, moral, artística, económica e religiosa.
A imagem torna-se um elemento disciplinador, funcionando como um operador de micro-poder. Precisamente neste sentido ela funciona como interface entre um infinitamente pequeno e um infinitamente grande, cimentando uma unidade sistemática entre eles. Na Modernidade o mesmo poder controla a ciência responsável pela criação de meios de produção das imagens; os meios, as estruturas e os registos de produção; a circulação das imagens e a sua recepção; dominando um sistema de produção que produz imagens da mesma forma que produz espectadores.
Instrumentos como o telescópio e o microscópio contribuem, já, para uma transformação do olhar, sugerindo diferenças entre o “olhar natural” e o “olhar técnico” e, simultaneamente, relativizando um e outro. As inovações técnicas associadas à produção e reprodução de imagens do século XIX, do Optograma de Vernois ao Zoopraxinoscópio de Muybridge e culminando na fotografia e no cinema (com uma possibilidade absolutamente nova de registo) encontram um olhar já “instrumentalizado” quer do ponto de vista sensorial, quer do ponto de vista psicológico, quer do ponto de vista linguístico, quer do ponto de vista do enquadramento científico.
Poder-se-ia considerar que a tecnologia que afecta o corpo, o transforma e o prolonga (a tecnologia é, sempre, mesmo na perspectiva marxista, prolongamento do corpo) é, essencialmente, uma tecnologia semiótica que transforma e prolonga sentidos do corpo, significações do corpo, ao mesmo tempo reverte e intensifica, no corpo, estatutos de significante e significado. Esta tecnologia é menos produtora que reprodutora, não corresponde a produções identitárias mas a produções intensivas. É no campo da intensidade e não da identidade que ela se joga. Não será, essencialmente, uma tecnologia de reciclagem, no sentido em que Baudrillard situa a economia politica contemporânea, mas a sua actuação é, no sentido do mesmo Baudrillard, residual. Todo o real é residual, e tudo o que é residual está destinado a repetir-se indefinidamente no fantasmal.
O olhar está sempre lá, numa determinada focagem, construindo a própria imagem por ele captada. Quer a história da arte moderna (e a sua evolução contemporânea) quer, por exemplo, a história da medicina moderna (e, também aqui a sua evolução contemporânea) é, em grande medida, a história desse olhar armado e das suas transformações. Pese embora a, bem conhecida, rejeição levada a cabo por Claude Bernard da investigação da vida com o microscópio – o corpo vê-se sem instrumentos ópticos artificiais, para julgar o que é normal ou patológico no corpo é preciso olhar e ver o corpo – a evolução da medicina faz-se através da evolução da instrumentalidade técnica e dos seus vários aparelhamentos do olhar. A rejeição de Bernard deve ser bem entendida, o que se afirma é que o olhar clínico deve ser entendido, ele próprio, como um instrumento. Neste sentido o médico deveria ter um “olho treinado”, “educado” que operaria com ou sem o auxilio de instrumentos de visão; algo que, num registo diferente, ainda nos aparece tematizado, por exemplo, no Homem da Câmara de Vertov. Sem o “olho treinado” os instrumentos auxiliares de nada valeriam pois não é a câmara que vê é, sempre, o olho que vê através dela. O que se afirma é, então, uma semioticização do olhar que deve semioticizar o operarador como condição de possibilidade dessa semiótica ser reguladora dos instrumentos. Olho biológico, mãos, ouvidos são tornados instrumentos da mesma forma que os aparelhos auxiliares da visão ou da audição o são, operam em interacção orientados pela mesma lógica, integrados no mesmo máquina dispositivo de mediação.
Henri Atlan mostra como perante uma realidade tão complexa como a dos fenómenos quânticos, existe, ainda, uma soberania do olhar: “Nous partons du macroscopique perceptible par les sens (celui d’une coupe anatomique) pour arriver au même macroscopique perceptible par les sens (celui de l’image après reconstruction informatique), mais après un détour par le monde des abstractions de la physique quantique, dont les relations avec la réalité macroscopique font l’object de controverses philosophiques encore vivaces. »
Dos tratados de anatomia à radiografia, da sintografia às tomografias axiais computorizadas, da termografia à ecografia e desta à ressonância magnética, todo um imaginário da transparência abre o real a uma nova visibilidade, possível de ser vista e lida apenas por um “olhar técnico”, que progressivamente vai sendo experimentado, também, com fins artísticos. De resto, o desejo de saber da ciência moderna – da física à biologia, da citologia à medicina clínica - e o desejo de representar da arte moderna, edificam-se sobre um desejo de ver, e o desejo de ver abre-se num desejo de registar, de decifrar, de arquivar, de mapear, de ordenar, de tudo, sem excepção, semioticizar a partir de um olhar, afinal, ele próprio já previamente semioticizado.
Como escreve Le Breton “De l’homme anatomisé de Vésale aux techniques nouvelles de l’imagerie médicale, le traitement de la figure rapportée du corps suit la voie d’une épuration de l’imaginaire au sein même de l’image. Le dépouillement des couches fantasmatiques qui altéraint le contenu scientifique grandit au fil du temps. La projection inconsciente sur la figure était facilitée jusqu’au XIXe siècle par la nécessité d’une reproduction artistique des schémas dans les traités d’anatomie ou de clinique. La possibilité du cliché photographique ferme l’écluse où passait ce surcroît de sens. En 1868 parît en France l’Atlas clinique photographique des maladies de la peau par A. Hardy et A. Montmeja, premier ouvrage à ce passer du travail de l’artiste dans le rendu des images. »
Em 1895, Roentgen repete no seu laboratório as experiências de Crookes sobre os raios catódicos. Ao realizar a experiência confrontou-se, surpreendentemente, com uma fluorescência inusitada da folha de cartão. Por uma série de circunstâncias, Roentgen viria a evidenciar uma nova forma de energia radiante, invisível ao olhar humano, cuja propriedade é a de atravessar opacos através de raios luminosos. A partir dessa data Roentgen fotografou os mais diversos objectos – começando pela mão da sua mulher cuja fotografia Raio X foi tornada pública nesse mesmo ano – utilizando o princípio da radiografia. Pela primeira vez, a entrada no espaço labiríntico dos tecidos humanos não exige, como condição de possibilidade, a morte do homem. Já não é, apenas, o corpo cadáver mas, agora, o corpo vivo, a ser atravessado por um olhar que atravessa a superfície da pele que em profundidade.
A utilização da radioactividade, descoberta por Becquerel em 1898, optimiza as técnicas de radiografia. O trabalho de Hevesy vem demonstrar, em 1913, a possibilidade de reproduzir, sobre um suporte fotográfico, o percurso da fixação radioactiva sobre um determinado órgão humano. Durante os últimos anos da década de 30, a sintografia explora as novas possibilidades de introduzir elementos radioactivos no organismo para analisar as diferentes concentrações de Raios Gama e, através deles, seguir visualmente a evolução dos processos metabólicos. A captura visual do “invisível” alarga-se ao interior dos órgãos e ao próprio cérebro, manifestando uma espécie de alcance ilimitado desse olhar científico.
Como nos diz Teresa Cruz “a imagem ganhou, a partir da fotografia, uma intimidade quase absoluta com o corpo. A captura a que os corpos estão votados, depois dela, parece não conhecer limites: toda a superfície mas, também, as entranhas, todas as partes, todas as poses, todos os gestos, e até os fluidos e o sangue. O corpo é certamente um dos objectos mais intensamente perscrutados pela imagem moderna”.(5)
O último grande desenvolvimento da cultura visual da medicina e, com ele, da reconstrução do olhar e do corpo-olhado (objecto intensamente perscrutado pela imagem como refere Teresa Cruz) dá-se na década de 70 do século XX graças aos desenvolvimentos da investigação no campo da física e da informática, tornado-se possível a realização de imagens digitais susceptíveis de serem monitorizadas.
A partir dos anos 70 vão-nos aparecendo uma série de novas técnicas imagiológicas, os ultra-sons; a tomografia axial computorizada; a imagem por ressonância magnética; a tomografia por emissão de positrões; a magnetoencefalografia, geradoras de uma nova retórica visual. O olhar evolui e com ele as gramatizações do ver e do visto.
Por outro lado, as imagens computorizadas ficam cada vez mais dominadas pelas lógicas do digital. A este propósito Nobert Boloz recorda-nos que “sob condições informáticas entender uma coisa significa ser capaz de simular através de imagens computacionais. Numa tal perspectiva – de resto idêntica à do construtivismo radical – também a chamada “realidade natural” se revela numa configuração de dados, um caso especial dentro das operações elementares com números computacionais que são específicas do meio.”(6)
Este olhar em profundidade, aprofunda a própria relação entre o olhar cientifico, instrumentalmente assistido, e a vida. Também a arte moderna e a sua evolução contemporânea, particularmente intensificada ao longo do século XX é marcada por essa “viragem para a vida” a um ponto que parece ambicionar a supressão da mediação e a correspondente anulação da representação.
Esta (aparente) anulação da mediação é, já, uma marca forte da Mediação 3.0. Um inventário possível da sua imposição terá de passar sempre por eventos como Electra organizado por Frank Popper em Paris, em 1983; Les Immatériaux de Lyotard, em 1985; Arte e Sciencia na Bienal de Veneza, em 1986; Cultura e Novas Tecnologias na inauguração do Rainha Sofia, em 1986; e no espaço português, a partir dos anos 90 com destaque para a exposição Múltiplas Dimensões no Centro Cultural de Belém, em 1994.
Se a exposição Electra. Electricity and Electronics in the Art of the XXth Century, comissariada por Frank Popper para o Musée d’Art Moderne de Paris marca uma télématique turn no campo da criação artística, as origens da ars telematica (termo introduzido em 1978 por Alain Minc e S. Nora e sedimentado por Ray Ascott) são anteriores e obrigam-nos a recordar a importância do EAT (EXperiments in Art and Technology) criado em 1966 por Billy Klüver; da decisiva exposição Cybernetic Serendipty que teve lugar no Institute of Contemporary Arts de Londres em 68; dos trabalhos – de Robert Rauschenberg, Jean Tinguely ou John Cage – no pavilhão Pepsi-Cola da EXPO’70 de Osaka; a exposição Software comissariada por Jack Burnham para o Jewish Museum de Nova York (onde se exibe o primeiro protótipo do sistema de Hipertexto “Xanadu” proposto por Theodor Nelson); bem como das acções FLUXUS iniciadas em 1961.
Em 1970, Tom Marioni, fundador e director do MOCA (Museum of Conceptual Art) de São Francisco, definia a orientação do museu como sendo “idea-oriented situations not directed at the production of static objects”. Esta definição sintetizava bem o novo posicionamento de uma geração de curadores e artistas, mas também de investigadores, teóricos e cientistas que contribuem para a redefinição das fronteiras artísticas.
As novas tecnologias digitais e os novos usos das “velhas tecnologias” analógicas, a sua democratização e acessibilidades crescentes a partir dos anos 60, o contexto politico e social promotor de atitudes contra-culturais, a desconstrução das definições herdadas – o nascimento do autêntico leitor deve fazer-se à custa da “morte do autor” defendia Roland Barthes no seu ensaio de 1968 “A morte do autor” – intervêm nesta deslocação de fronteiras, gerando novos criadores e novos públicos, novas formas de criação e de recepção artística.
Na segunda metade da década de 90 assistimos à explosão da Web Arte, entre as exposições que marcaram a época destaca-se a Documenta de Kassel realizada em 1997. Na mostra Internet comissariada por Simon Lamunière estavam presentes, entre outros, projectos de Joachim Blank e Karl Heinz Jeron (“Without Addresses”); Heath Bunting (“Visitors Guide to London”); Martin Kippenberger (“METRO-Net”) ou Mark Peljhan (“Makrolab”). Porém, ao longo dos anos 90, muitos outros espaços institucionais apresentaram obras de web arte: Bienal de Veneza; Bienal de Whitney; Bienal de São Paulo; MOMA de São Francisco; Walker Art Center; Tate Gallery; Guggenheim; MASS MOCA entre outros.
Em Media Manifestos, Regis Debray, delineou uma matriz teórica para caracterizar o significado social dos diferentes media: logosfera, grafosfera e videosfera, cada um correspondendo a um regime diferente e representado como “pós-escrita”, “pós-imprensa” e “pós-audiovisual”.
Embora tais caracterizações contenham algumas limitações, Debray desenvolve uma curiosa reflexão sobre a relação entre a nossa faculdade originária de produzir imagens e o desenvolvimento da tecnologia. Entraríamos, assim, numa época dominada por uma tecnomimesis, materializada na imagem artificial que, de acordo com Debray, teria sido “processada” de três modos diferentes: a presença; a representação e a simulação, entraríamos assim, na mediação 3.0.
1. New Media 1740-1915, Lisa Gitelman e Geoffrey B. Pingree (Ed.), The MIT Press, Cambridge, MA, 2003, pág. Xiii.
2. Paul Duguid, “Material Matters: The Past and Futurology of the Book”, IN The Future of the Book, Ed. Geoffrey Nunberg, University of California Press, Berkeley, 1996, pág. 65.
3. Jonathan Crary, Techniques of the Observer. On Vision and Modernity in the Nineteenth Century, The MIT Press, MA, 1992; Idem, Suspensions of Perception. Attention, Spectacle, and Modern Culture, The MIT Press, MA, 2001.
4. José Gil, A imagem-nua e as pequenas percepções. Estética e metafenomenologia, Relógio d’Água, Lisboa, 1996, Pág. 48.
5. Maria Teresa Cruz, “Técnica e Afecção” In José A. Bragança de Miranda e Maria Teresa Cruz (Orgs.), Crítica das ligações na era da técnica, Lisboa, Tropismos, Pág. 43.
6. Citado por Siegfried J. Schmidt, “Ciber como Oikos ? ou: Jogos Sérios”, In Cláudia Giannetti (ed.), Ars Telemática, Relógio d’àgua, Lisboa, 2001, Pág. 130.
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