Wednesday, May 21, 2008



“Tudo começa na inutilidade dos fragmentos/descritos um a um, ou nas suas invisíveis conexões.”. Encontrei ontem, num postal esquecido dentro de um livro, estes versos do Luís Quintais escritos com a tua letra. Não tenho a certeza de quando, nem onde me deste o postal, mas lembro-me demasiado bem do meu olhar reflectido no teu e de que como partilhar aquelas palavras escritas inspirava a eloquência e o silêncio.



Este não é, contudo, o lugar certo para te escrever. Nem este será um texto íntimo, mesmo que envolva memórias e elas sejam a nossa herança mais privada. Já em outros momentos revisitei memórias que, para mim, funcionavam como pretextos para pensar uma espécie de história velada das imagens. Creio que tudo, as palavras e as coisas, as pessoas e os momentos, tende a tornar-se numa imagem, que será viva enquanto alguém, sentindo-a, a vivificar.

Em A ideia da Luz, Giorgio Agamben escreve que “O único conteúdo da revelação é aquilo que é fechado em si, o que é velado – a luz é apenas a chegada do escuro a si próprio.” A imagem é esse “escuro que pressupõe a luz”, fragmento que anuncia tudo o que é impossível revelar.



Porém, a relação da imagem ao original não é uma relação de incompletude mas de aproximação e diferença. De desencontro, se se considerar que nele o encontro está sempre evocado.
Do mesmo modo, a recordação não recupera esse momento que se viveu, nem sequer nos reporta a ele com falhas. Na recordação nós voltamos a um tempo onde nunca havíamos estado, confrontamo-nos com uma outra possibilidade para a vida, mesmo que aí, o que mais amamos, não possa ser mais do que uma imagem.



Há por isso um encanto extraordinário e uma quieta melancolia quando escrevo: “Lembro-me tão bem de ti”.

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